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Ilustração de @tylerfeder (Foto: Instagram/Reprodução) |
Oi gente, Parker aqui de novo! Vocês gostaram da minha primeira coluna? Espero que tenham gostado porque eu estou de volta para mais. Lembrando que nossos próximos encontros serão nos dias 15 de agosto, outubro e dezembro, quando saem as minhas próximas postagens. Cada coluna aqui tem um tema diferente que está inserido em uma esfera maior: o movimento feminista. Meu intuito é desmistificar os aspectos complexos desse movimento e mostrar como ele é importante – de maneira efetiva – no nosso dia a dia, no nosso desenvolvimento pessoal.
Porque afinal, isso é importante né? A gente precisa ter clareza da nossa posição na sociedade e de como um movimento que nos engloba é necessário. E, acima de tudo, nós precisamos saber como esse movimento pode atuar especificamente em favor do grupo a que pertencemos, pois é fato que a sociedade é formada por grupos diferentes bem definidos por características marcantes e inerentes aos indivíduos. Talvez isso não devesse ser um critério para nos separar, mas sabemos que separa.
Nos separa porque o modelo social que nos contempla funciona de modo que se apoia em fraturas sociais. Isso implica em dizer que as dinâmicas de poder foram estabelecidas de modo a oprimir certos grupos enquanto outros ocupam sua posição de privilégio. Nós sabemos que, para alguns de nós, existem muito mais obstáculos por aí. Você se lembra que na coluna passada eu introduzi o feminismo interseccional? Então, é aqui que ele entra.
INTERSECCIONALIDADE: O FEMINISMO QUE NOS DIVIDE, MAS NÃO NOS SEPARA
A onda feminista se estabeleceu como temática essencial de discussões contemporâneas. Mas, ela corria o risco de perder sua força de ação, seu momentum, se não reconhecesse que uma voz não pode falar por todas. O movimento precisou reconhecer que nem todas as feministas eram mulheres brancas, cis gênero, heterossexuais, de classe média e sem nenhuma deficiência.
O feminismo interseccional reconhece que a vida das pessoas tem múltiplas camadas e que mulheres diferentes sofrem opressão em configurações e intensidades que variam. E variam dentro dos padrões culturais de opressão, em que orientação sexual, etnia, classe social e etc., também são “características problema”.
Apesar dessa diferença e da clara divisão, tudo ainda faz parte do movimento pois a base da interseccionalidade é que mulheres escutam e apoiam outras mulheres. O objetivo é claramente apenas um: começar a ouvir e integrar (porque, diferente de inclusão que pressupõe um modelo pré-estabelecido, ao qual as pessoas serão adicionadas, a integração propõe trocas e alterações em modelos vigentes) vários grupos de mulheres e suas características, suas experiências de vida multifacetadas. Além disso, é essencial o respeito ao lugar de fala nos debates e na luta. A interseccionalidade também é importante para que mulheres reconheçam seus privilégios e possibilitem a divisão do espeço de militância entre os diferentes segmentos sociais.
O QUE SERIAM "CARACTERÍSTICAS PROBLEMA" E COMO ELAS INTERFEREM NO FEMINISMO?
“Características problema” seriam cada uma das fraturas sociais. Para começar, uma mulher negra sofre, somados ao machismo, todos os impactos e estigmas do racismo institucionalizado, a apropriação cultural, etc. Algumas de suas pautas divergem em relação às pautas do feminismo branco por conta de todo o histórico de escravidão, sendo assim necessária uma segmentação. O feminismo negro existe, é importante e deve ser considerado. Esse não é o meu lugar de fala, o objetivo não é falar pelas mulheres negras, mas com elas e, para isso, indico a leitura de Djamila Ribeiro e Angela Davis para expandir suas percepções.
Da mesma forma, existe o feminismo indígena. As mulheres indígenas também possuem demandas específicas que tem toda uma relação com a sua cultura, sua relação com a terra e sua posição como povos nativos, apropriação cultural também entra aqui. As mulheres indígenas precisam de políticas específicas que protejam suas vidas, seus corpos e seu patrimônio cultural como um dos grandes grupos étnicos formadores do Brasil. Além disso, por conta da questão territorial, a violência contra mulheres indígenas também deve ser abordada como um tópico específico, pois não é algo que será experienciado pelas mulheres brancas.
Ainda nesse tema, existe um grupo muito invisibilizado: as mulheres deficientes. O capacitismo (preconceito contra pessoas com deficiência) é uma faceta preconceituosa que é incrivelmente enraizada e velada na nossa sociedade e não falamos o suficiente disso. Nem passa pela cabeça da maioria das pessoas que indivíduos portadores de deficiência possam ter demandas que ultrapassem a pauta de acessibilidade, a qual são tipicamente reduzidos. As mulheres portadoras de deficiência precisam, diariamente, correr atrás do seu direito de decisão, tendo suas autonomias questionadas diariamente, por conta de suas capacidades corporais e/ou mentais. Não se imagina a possibilidade de uma vida sexual para elas, não se imagina sua posição social outra que não aquela sobre a qual deve-se olhar com piedade. Por isso, elas precisam se diferenciar dentro do movimento feminista.
Você continua comigo? Ufa! Porque tem muito mais. Em termos de gênero, as mulheres trans precisam ter suas vozes ouvidas principalmente no que se diz respeito a características e papéis de gênero. Elas possuem prioridades em questão de libertação sexual e expressão do gênero, em questões de inserção no mercado de trabalho, em questões de fetichização destrutiva e violências específicas. E sempre bom lembrar que God is a woman sim, mas nem todas as mulheres tem vagina.
Além desses exemplos, nos quais ainda é possível se aprofundar muito, é preciso especificar a situação de mulheres lésbicas, de mulheres bissexuais, de mulheres gordas, de mulheres pobres, de mulheres faveladas, de mulheres muçulmanas, de mulheres asiáticas no Brasil e etc. Lembram da analogia da “escada de privilégios”? Então, suponhamos que o topo da escada é o máximo do privilégio e a cada característica que você tem, que vai contra o padrão, você desce um degrau na escada de privilégios. Nós precisamos nos atentar aos diferentes degraus.
OK, EXISTEM VÁRIAS DIVISÕES. MAS, E AÍ?
Você enxerga as fraturas sociais nessa divisão por grupos? E como essas características interferem no status e feminilidade e nas demandas que cada grupo tem. De modo geral, podemos dizer que o mundo não foi construído para nenhuma dessas pessoas. E, da mesma forma, precisamos assegurar que a reparação histórica aconteça, para todas nós. Durante muito tempo, o feminismo também foi um movimento elitizado e que não contemplava a maior parte da esfera social.
E o feminismo deve ser para todas nós. Mulheres brancas não podem decidir, baseadas em sua cultura ocidental, o que mulheres muçulmanas precisam. Porque se isso acontece, uma das vozes que compõe esse movimento é tão marginalizada que ela passa a pensar que não faz parte, não é bem-vinda no circuito. O único resultado disso é o enfraquecimento do feminismo e a falta de efetividade em termos de proteção ao direito de escolha de mulheres.
Além disso, essas características que resultam na interseccionalidade alteram o modo como os discursos são proferidos e recebidos. Uma mulher cis, branca, de classe média é mais palatável do que uma mulher negra, trans, da periferia, logo, o seu feminismo é mais bem aceito pela sociedade. Eu percebo claramente que existem grupos femininos que precisam gritar para serem vistos e são considerados radicais e extremistas, enquanto outros grupos são plenamente admirados e considerados “lacradores”, estando presente na mídia de grande alcance. Essas percepções também estão relacionadas com diversos preconceitos estruturais. E isso precisa ser discutido.
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Espero que eu tenha conseguido explicar a importância do feminismo interseccional sem roubar o lugar de fala de ninguém. Admitidamente eu sou bem padrãozinho, e gostaria de entrar em contato com essas vivências diferentes da minha, porque uma das coisas que eu sempre digo é que eu nunca vou lutar só por mim. Eu quero apoiar a luta de vocês também, contribuir com tudo o que eu puder.
Opa, eu fui muito séria de novo né... prometo que no próximo eu serei mais divertida porque a gente vai falar de um tema que eu adoro e que tem muito a ver com a minha graduação. Não vou contar o que é, você vai ter que voltar para ler, hahahaha. Beijo, beijo, te vejo dia 15 de agosto!
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